quarta-feira, 28 de setembro de 2011

O autor

O dramaturgo argentino Daniel Veronese (1955) começou sua carreira artística trabalhando como mímico e ator. (...) Em 1989 fundou com Emilio García Wehbi e Ana Alvarado um dos grupos renovadores da cena porteña do pós-ditadura, o Perfiérico de Objetos. Em 1991, Veronese iniciou sua trajetória como autor com o texto Crónica de la caída de unos de los hombres de Ella, e a partir de então te sido reconhecido como uma das vozes mais importantes do teatro contemporâneo argentino tanto como autor como quanto diretor.
(...)
O processo de crise instalado com o final do regime militar no início dos anos 80, inaugurou o ressurgir de experimentações de linguagens no teatro argentino, e abriu um espaço que foi preenchido por uma ampla gama de autores. (...)
O teatro de Veronese pode ser enquadrado naquilo que o pesquisador Osvaldo Pelletieri chama de “Teatro de Resistência” que emergiu já no período da democracia e se apresentava como uma tendência antagônica à cultura oficial cujo movimento irradiador tendeu a absorver e discutir a modernidade marginal latino-americana. Dentro deste campo teatral Veronese se destaca como um exemplo de um Teatro da desintegração, que representa um momento da cena porteña que realiza uma leitura de um tempo que se dilata para além do processo de redemocratização. Período no qual as ilusões no projeto democrático tradicional entraram em crise pelo fracasso das políticas dos governos eleitos depois de 1983, e pelo constante emergir de estórias de terror dos tempos da ditadura.

A experiência de extrema violência da ditadura argentina, chamada de Processo de reconstrução Nacional (1976 – 1983), deixou um rastro de 30 mil detidos e desaparecidos. O ciclo dos desaparecimentos, dos seqüestros e roubos de crianças pelos militares, os campos de concentração, o extermínio conformam uma frustração de promessas não cumpridas, uma plataforma que parece indicar nos anos 90/2000 a dissolução da idéia de nação e o fim das esperanças e eclosão de uma crise profunda no campo da política, da economia e da cultura. A desintegração da linguagem da cena proposta pelos personagens de Veronese parece coadunar-se com a falta de alternativas para a sociedade e com a existência, quase onipresente, de um passado de terror que insiste em se fazer presente. Seus personagens experimentam uma falta que produz  a melancolia da qual, segundo o autor, se faz o teatro. Uma falta que não se preenche por nenhuma via, e que de alguma maneira reafirma a desintegração dos modelos, das formas de organização, as formas das relações e das falas artísticas.

A ironia é um elemento que corta os textos de Veronese, cujos acontecimentos muitas vezes parecem sugerir um plano trágico, mas se articulam de forma a estabelecer um olhar critico e racional sobre o mundo dos fantasmas. Há sempre um lugar de onde observar o que acontece e ver como se desdobram os fatos. É esse olhar que permite a Veronese criar espaços de respiração dentro de um universo de fortes tensões e emoções. Por isso é possível dizer que sua escritura produz uma dramaturgia que é exigente para o trabalho do ator, e por essa razão constitui um material rico para um exercício de interpretação que se dá nas fronteiras do ato de representar.

Seu trabalho como diretor se baseia no processo criativo do ator como elemento chave para fazer emergir as incompletudes das diferentes experiências. Neste ambiente o ator deve mover-se com liberdade interferindo de forma decisiva nos caminhos do texto, e até mesmo de sua re-escritura. As peças O liquido tátil e Open House são só dois exemplos de textos que nasceram a partir do trabalho conjunto com atores e atrizes. Talvez isso explique a decisão de Veronese de abandonar toda escritura que não implique diretamente em um projeto de encenação que se articule com o seu ofício de diretor, de tal modo que atualmente, o dramaturgo só escreve para as suas montagens. Como ele mesmo afirma, sua “escritura passou de uma coisa meio obsessiva para algo mais delicado”. É agora “uma espécie de prótese para sua tarefa enquanto diretor” e funciona sustentando sua busca de uma cena que sensibilize e explicite nossas faltas. 

Trechos selecionados do artigo de CARREIRA, André. "Daniel Veronese: um teatro da falta." Revista Olhares / Dramaturgia latino-americana.

Letícia Isnard

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