sexta-feira, 30 de setembro de 2011

ULRIKA

Minha mulher desperta em mim todas as emoções possíveis. Com ela, eu posso viver todos os dias no céu ou no inferno. Depende do momento. E a mudança de um para o outro pode se dar em segundos. Um olhar, um gesto, uma fala, um beijo, um toque...qualquer detalhe pode provocar a mudança. Não tem regra. E o engraçado é que sempre foi assim. Claro que no começo era mais sutil, não era assumido. Mas já estava ali. Acho que é mais forte do que nós. E pior...acho que nos acostumamos com essa maneira doida de viver. E não tem volta. Pelo menos enquanto continuarmos juntos. E acho que vamos. Não conseguimos nos separar. Ulrika reclama o tempo todo da vida, da rotina , do mundo. E o culpado, pra ela, claro, sou eu. Mas ela fica. Por quê? Ela não consegue ir. Tem alguma coisa mais forte que segura. E me segura também. E não temos filhos! É muito louco. Eu to aqui tentando explicar, mas eu mesmo não entendo. Eu só vou vivendo isso. Às vezes, eu acho que ela tem a necessidade de ficar com outros caras. Não sei se pelo seu próprio prazer ou simplesmente pelo prazer escroto de me sacanear. De qualquer forma, por prazer. E eu enlouqueço só de pensar que esse tipo de coisa possa estar se passando na cabeça dela. E aí, do nada, eu sinto uma vontade quase incontrolável de bater em Ulrika. Mas de bater muito! De enfiar a porrada de verdade! Mas eu seguro...consigo segurar. E aí, de repente, aquela é a mulher da minha vida. Eu não entendo. De verdade. Não entendo.

Não esqueço o dia que a gente se viu pela primeira vez. Foi muito forte. Uma das poucas vezes em que percebi que os números nem sempre resolvem o mundo. E eu acho que eu quis muito essa loucura. Desde o primeiro momento. Só que essa opção não tinha mais volta. E só fiquei sabendo disso agora. Mas é isso. Quero ir com Ulrika pra algum outro lugar. Talvez Espanha, não sei. Só sei que quero ir. Mesmo sabendo que as coisas não vão mudar...e que eu vou continuar amando Ulrika com todo o ódio que também me constitui! Merda...  

RAINER (José Karini)

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

O autor

O dramaturgo argentino Daniel Veronese (1955) começou sua carreira artística trabalhando como mímico e ator. (...) Em 1989 fundou com Emilio García Wehbi e Ana Alvarado um dos grupos renovadores da cena porteña do pós-ditadura, o Perfiérico de Objetos. Em 1991, Veronese iniciou sua trajetória como autor com o texto Crónica de la caída de unos de los hombres de Ella, e a partir de então te sido reconhecido como uma das vozes mais importantes do teatro contemporâneo argentino tanto como autor como quanto diretor.
(...)
O processo de crise instalado com o final do regime militar no início dos anos 80, inaugurou o ressurgir de experimentações de linguagens no teatro argentino, e abriu um espaço que foi preenchido por uma ampla gama de autores. (...)
O teatro de Veronese pode ser enquadrado naquilo que o pesquisador Osvaldo Pelletieri chama de “Teatro de Resistência” que emergiu já no período da democracia e se apresentava como uma tendência antagônica à cultura oficial cujo movimento irradiador tendeu a absorver e discutir a modernidade marginal latino-americana. Dentro deste campo teatral Veronese se destaca como um exemplo de um Teatro da desintegração, que representa um momento da cena porteña que realiza uma leitura de um tempo que se dilata para além do processo de redemocratização. Período no qual as ilusões no projeto democrático tradicional entraram em crise pelo fracasso das políticas dos governos eleitos depois de 1983, e pelo constante emergir de estórias de terror dos tempos da ditadura.

A experiência de extrema violência da ditadura argentina, chamada de Processo de reconstrução Nacional (1976 – 1983), deixou um rastro de 30 mil detidos e desaparecidos. O ciclo dos desaparecimentos, dos seqüestros e roubos de crianças pelos militares, os campos de concentração, o extermínio conformam uma frustração de promessas não cumpridas, uma plataforma que parece indicar nos anos 90/2000 a dissolução da idéia de nação e o fim das esperanças e eclosão de uma crise profunda no campo da política, da economia e da cultura. A desintegração da linguagem da cena proposta pelos personagens de Veronese parece coadunar-se com a falta de alternativas para a sociedade e com a existência, quase onipresente, de um passado de terror que insiste em se fazer presente. Seus personagens experimentam uma falta que produz  a melancolia da qual, segundo o autor, se faz o teatro. Uma falta que não se preenche por nenhuma via, e que de alguma maneira reafirma a desintegração dos modelos, das formas de organização, as formas das relações e das falas artísticas.

A ironia é um elemento que corta os textos de Veronese, cujos acontecimentos muitas vezes parecem sugerir um plano trágico, mas se articulam de forma a estabelecer um olhar critico e racional sobre o mundo dos fantasmas. Há sempre um lugar de onde observar o que acontece e ver como se desdobram os fatos. É esse olhar que permite a Veronese criar espaços de respiração dentro de um universo de fortes tensões e emoções. Por isso é possível dizer que sua escritura produz uma dramaturgia que é exigente para o trabalho do ator, e por essa razão constitui um material rico para um exercício de interpretação que se dá nas fronteiras do ato de representar.

Seu trabalho como diretor se baseia no processo criativo do ator como elemento chave para fazer emergir as incompletudes das diferentes experiências. Neste ambiente o ator deve mover-se com liberdade interferindo de forma decisiva nos caminhos do texto, e até mesmo de sua re-escritura. As peças O liquido tátil e Open House são só dois exemplos de textos que nasceram a partir do trabalho conjunto com atores e atrizes. Talvez isso explique a decisão de Veronese de abandonar toda escritura que não implique diretamente em um projeto de encenação que se articule com o seu ofício de diretor, de tal modo que atualmente, o dramaturgo só escreve para as suas montagens. Como ele mesmo afirma, sua “escritura passou de uma coisa meio obsessiva para algo mais delicado”. É agora “uma espécie de prótese para sua tarefa enquanto diretor” e funciona sustentando sua busca de uma cena que sensibilize e explicite nossas faltas. 

Trechos selecionados do artigo de CARREIRA, André. "Daniel Veronese: um teatro da falta." Revista Olhares / Dramaturgia latino-americana.

Letícia Isnard

terça-feira, 27 de setembro de 2011

ROGER

Com a chegada do nosso irmão caçula, virei uma espécie de tio-irmão. Roger sempre gostou de ser mimado por todos nós. Sabia que era o centro das atenções e se aproveitava disso. Mesmo já crescido, se mantinha um pouco infantil nas atitudes. Era bem mais novo e acho que, até um certo ponto de nossas vidas, me admirava e tinha respeito por mim. Nas brigas e nas brincadeiras, nos uníamos contra Ivan. Juntos, podíamos dar conta dele. E era bem divertido deixar o irmão mais velho irritado.

Nessa época, eu tava flertando com o boxe e cheguei a fazer algumas aulas. Roger ma acompanhava e ficava fascinado. Eu larguei quando percebi que não levava nenhum jeito pra coisa. Já ele, a partir daí, descobriu o que queria fazer da vida. Começou e não parou mais. Foi fundo no negócio. E o engraçado é que, depois que ele começou a treinar, começamos também a nos distanciar. Fui perdendo o parceiro. Roger crescia e nossa relação desabava. Nos desentendíamos pelas coisas mais triviais e as brigas eram feias. Claro que eu brigava muito mais com as palavras. Já não dava pra encará-lo na mão. E a coisa pegava mesmo quando entrava mulher no meio. Ele sempre levava a melhor, pelo menos no primeiro momento. E eu só conseguia alguma coisa depois de muita conversa. Mas enfim...era o caçula, o nosso mascote.

Só que eu tenho que confessar uma coisa: a verdade é que a chegada dele sempre me incomodou um pouco. Acho que desde sempre. De certa forma, eu perdi meu lugar. Ciúmes? Pode ser. Mas quem não ficaria incomodado? O cara nasce tarde, tira o seu lugar, ganha todas as atenções e, quando cresce, ainda rouba as mulheres. Não é nada divertido!

Mas tudo bem. Acho que uma das minhas virtudes é saber agir na hora certa e jogar bem o jogo da vida. Esse joguinho babaca. Eu sei esperar. Ter assumido o negócio da família, por exemplo, me deu algum poder. Ivan e Roger não entendem nada de negócios e ficam, obviamente, na minha mão. E eu acho que chegou a hora de tentar coisas maiores. Pra isso, o negócio familiar precisaria falir...

RAINER (José Karini)

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Um texto como referência visual


          

            – Já viram o texto da Analu?
– Gente, olha o que a Analu fez no texto dela!
– Que máximo, Analu! Você sempre faz isso nos seus textos?

Sim, Analu transforma seus textos em obras de arte, instalações, ricas criações visuais, usando as mais variadas referências. Desde recortes de revistas até tecidos com textura de pelo de animal, passando por poesias e insetos de borracha. E a beleza do trabalho está tanto em si mesmo quanto no que ele representa. A entrega de uma atriz a um projeto é tão inspiradora para nós, o restante da equipe, quanto a arte de Analu é para ela em relação à peça. É bela e, ao menos para mim, inovadora. Algo que precisa ser visto, que merece circular, como parte integrante e fundamental do espetáculo. Ao mesmo tempo, existe também como obra por si só, ainda que embalada pelo processo do grupo. E é animador ver como um trabalho interfere e modifica o outro, como pode ser concreto o caminho criativo de uma atriz ao longo de um período de ensaios. Como se a arte de Analu materializasse nossas discussões, desse de fato uma imagem a elas, trouxesse nova luz a nossos questionamentos.

“É incrível como, quando estamos em fase de construção de um espetáculo, as referências caem nas nossas mãos como que por milagre”. Chegamos a conclusão semelhante no dia em que Analu nos contou sobre um livro de fotografias premiadas de cavalos que chegou até ela quando procurava outra publicação. Mas há uma explicação menos romântica e metafísica – não tão bela – que provavelmente corresponde melhor à realidade. Acho que, nesse período, nossa percepções ficam focadas em tal tema, tais idéias, e as antenas seguem voltadas para essa direção. E Analu, mestre em sensibilidade, encontra nas mais diversas fontes sinais passíveis de enriquecer sua visão sobre seu personagem e a peça como um todo.

Elisa Pinheiro (Lucera)

sábado, 24 de setembro de 2011

Cavalos

Cena 1
INTERIOR / DIA

Uma mulher em um quarto. Acabou de cometer um crime. Não vemos o crime, temos que imaginar pelo seu olhar. Suor no seu rosto.

Cena 2
EXTERIOR / DIA

O dia está ensolarado. Um desfile: um grupo de jovens policiais montados sobre seus cavalos marrons. Suor nos cavalos. O couro aquecido das montarias. Os dentes dos cavaleiros e dos cavalos trincados ao sol. O casco dos animais batendo no chão. Altaneiros e fortes. As botas dos policiais batendo na pele dos cavalos. Os policiais saúdam com seus quepes em direção à janela da mulher. Violentos e seguros como os cavalos. Assassinos. As ancas dos cavalos, rebolando. O suor no rosto de um policial. O brilho do sol, quente. O rosto da mulher, na janela. Fascinada, excitada. A mulher sente desejo por eles, desejo de juntar-se a eles. As ancas dos cavalos do ponto de vista da mulher. A mulher correndo nua numa praia deserta. As ancas dos cavalos andando, correndo. A imagem da mulher correndo nua se fundindo com a imagem dos cavalos. A mulher virando um cavalo:





A fusão se intensifica de ritmo até que torna-se uma imagem real: uma mulher nua montada sobre um cavalo branco invade o desfile. Mas só a mulher da janela vê. E ela mesma quem está nua sobre o cavalo.

Ulrika (Letícia Isnard)

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Ivan

Meu irmãozinho mais velho. Gosto dele. Ou, pelo menos, gostava. Era, um pouco, o modelo a ser seguido, já que temos que estar inventando modelos o tempo inteiro. E eu acreditava nisso, achava que o mundo era um pouco assim...bastava seguir um bom modelo. E o Ivan tava ali, a mão. Na minha cabeça, ele era o cara. Brigava bem, era mais ou menos inteligente, fazia sucesso com as garotas e ainda tinha alguma grana. Não precisava mais nada. Pra mim, era papai em primeiro e Ivan em segundo. O mundo era um lugar seguro. E os problemas seriam resolvidos logicamente. Tudo era matemática. Os números iriam colocar as coisas nos seus lugares certos e a gente só precisaria seguir a lógica deles. Nada de erro. Nada de acaso. Nada de sofrimento. Aliás, a ideia de acaso ainda não existia na minha cabeça. Eu ainda não havia percebido que o mundo não está nem aí pra nossa pobre lógica de pequenos lugarzinhos comuns. Ele tá cagando pra ela! Não tá nem aí!

Então, eu também cago pra ele! Também não to nem aí pro mundo! Quero mais é que se foda! E aí, a ideia de herói passa a ser patética. Completamente absurda e fora de propósito. E o meu irmãozinho mais velho também. Ele, agora, me parece completamente fora de propósito...fora de foco...me dá pena. Mas ainda é meu irmão. Isso não pode ser desfeito. Mas eu também não quero desfazer. Porque a ideia de família ainda me dá alguma ilusão. E eu quero essa ilusão, eu preciso dela, mesmo sabendo que ela não será nada além disso...apenas uma boa ilusão. Mas o engraçado é que eu consigo me iludir de verdade...eu acredito. Então eu quero o meu irmão...eu gosto de estar com ele...mesmo que seja só pra constatar que ele não faz mais sentido nenhum...mas, pelo menos, eu tenho um irmão...tenho irmãos...e isso não é tão ruim.

Rainer (José Karini)

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Quase tudo destruído

O lugar em que estávamos celebrando a reunião era uma readaptação de um velho depósito abandonado no ultimo andar de um edifício. Dava a impressão de ter sido redecorado às pressas. Cada móvel colocado para esconder alguma mancha de umidade na parede. A mesma coisa com os carpetes no chão. E a mesa. Tinha umas lâmpadas de pé. Uma televisão não instalada. Caixas embaladas ainda sem abrir. Dezenas de pacotes embrulhados com jornal e amarrados com fios. Uma infinidade de pacotes. Quase tudo destruído. O prédio em geral estava quase destruído.

Ivan insiste que eu trate a sua família como se fosse a minha. Eles são três homens acostumados a competir, cada um à sua maneira. Vou dizer uma coisa que certamente contrasta com o meu aspecto. Sei me defender muito bem de todos. Em algum momento terei que me separar deles. De todos.

Lucera (Elisa Pinheiro)

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Uma idéia de roteiro

Roger e Bettina, meus cunhados, mudaram-se há pouco tempo. Ainda não conhecemos a casa nova. Ofereceram um jantar para a família. Rainer me pediu para acompanhá-lo. Não tenho vontade de ir. Mas vou porque pensei que posso fazer dessa situação, um roteiro. De teatro. Ou de cinema. Agora eu escrevo roteiros de cinema. E tudo nessa família é espetacular. Talvez uma peça de teatro a ser filmada e apresentada como cinema. Não sei. Idéias. A sinopse seria mais ou menos assim:

INTERIOR / NOITE

Casa de Roger e Bettina, onde se passa toda a ação.



Um jantar em família. Um reencontro entre irmãos. Muitas coisas a serem ditas. Muitas outras a serem não ditas. Três esposas infelizes. Um passado obscuro. Um presente sombrio. Haverá futuro?

RAINER, marido de Ulrika, irmão de Ivan e Roger.
Provocador. Sarcástico. Arruinado.
"Tem alguma coisa queimando aqui."

ULRIKA, em torno de 30 anos.
Criativa. Infeliz. Ansiosa.
"Se me deixassem escolher novamente, eu te olharia fixamente como naquela primeira tarde, Rainer, ou simplesmente evitaria te conhecer?"

IVAN, marido de Lucera, o mais velho dos três irmãos, em torno de 55 anos.
Soturno. Manipulador. Perverso.
"Se eu ficar sem Lucera por um só dia eu me mato."

LUCERA, 20 anos.
Frágil. Perdida. Agressiva.
"Estou cheia de lembranças que me faltam. De coisas que me faltam. E vocês sabem."

BETTINA, esposa de Roger, em torno de 50 anos."
Apaixonada. Descontrolada. Compreensiva.
"É que não são realmente maravilhosos esses livros de culinária? Descobri que, na verdade, um livro de culinária nada mais é do que um livro de projetos realizáveis."


ROGER, o mais novo dos irmãos, em torno de 30 anos, atlético.
Impulsivo. Agressivo. Violento.
"Cala a boca, Bettina!"

Eu como personagem da minha estória. Com o final que eu quiser. 
Correndo nua numa praia deserta.
Talvez.
Ulrika.

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Família

Família é um negócio complicado. Carrego a minha do jeito que posso...mas também sou carregado por ela, e tenho consciência disso. E tudo já tá tão viciado que, às vezes, me pergunto como é que tudo isso ainda não explodiu? Alguma coisa ainda mantém essas relações, mantém esse estado de inércia que oprime e, ao mesmo tempo, não deixa explodir. E assim vamos, eu e meus irmãos, minha mulher e minhas cunhadas...vamos vivendo esse estado de absoluta dependência uns dos outros e, também, de absoluta falta de saco de uns com os outros. Amo essa família com a mesma intensidade que a odeio e sei que isso não vai mudar. Eu queria que eles simplesmente deixassem de existir. Seria um alívio. Um alívio absoluto. Mas isso é impossível. Então, talvez seja melhor que eu deixe de existir pra eles. Talvez isso seja possível. Estou pensando em viajar...em cair fora...e levar minha mulher comigo. Mas não sei até quando. Não sei até quando esse desejo de estar com ela vai persistir...

Rainer (José Karini)

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Início da quarta semana de ensaios

Quarta semana de ensaios começando, tudo ainda por ser descoberto. Pouco já se sabe, de quase nada se tem certeza, muito se intui, se discute e se especula. A alegria de um processo novo de trabalho anima a chegada a cada dia. O “olá, boa tarde, como foi o final de semana” é motivado pela satisfação no encontro com esses novos colegas que tanto vêm me estimulando nas últimas três semanas. Ivan Sugahara, Letícia Isnard, José Karini, Analu Prestes, Saulo Rodrigues, Isaac Bernat, Gabriel Salabert, Paula Maracajá. Quase todos, novidades pra mim. E, naturalmente, eu pra eles. E é muito reconfortante perceber que as trocas existem, que a conversa flui, que nos exercícios corporais temos entendimento e fluência. Que, provavelmente, o processo vai ser muito rico e tranqüilo quanto às relações pessoais. É claro que os gênios são diferentes, assim como os anseios, as percepções e o nível de envolvimento com o projeto. Mas as perspectivas são animadoras, e, num ambiente novo, isso é fundamental pra se ter calma e segurança num processo de tanta intimidade e exposição como é o de preparação de um espetáculo.
Ivan tem proposto uma prática diferente das que tenho experimentado nos últimos anos. Há muito tempo trabalhando com Moacir Chaves (cujo direcionamento privilegia a oralidade, o entendimento do texto, a busca pelas melhores maneiras de dizê-lo), e fazendo substituições (em montagens como Ensina-me a Viver, de João Falcão, e Mente Mentira, de Paulo de Moraes, de cujos processos de criação não participei), é estimulante esse reencontro com um método com o qual já havia perdido a intimidade há tempos. A construção dos personagens, que vai desde a pesquisa por sua forma de falar, de andar, de se relacionar, até a compreensão (e às vezes suposição) de suas características psicológicas e das motivações para suas atitudes são exercícios absolutamente enriquecedores para determinados resultados. Se a eles se somar uma preparação corporal que busca caminhos alternativos aos que nos vêm a princípio como possibilidades de ação, a conseqüência, muito provavelmente, será uma cena farta de significados, complexa como o texto se apresenta. Ivan e Paula tem unido esforços nesse sentido, com propostas como a pesquisa de movimentos equinos e partituras de ações baseadas nas características aferidas de cada personagem.
Um dos princípios dos jogos de improviso é evitar a negação à ideia do outro, para que a cena possa fluir. O mesmo tenho percebido nos processos de ensaios. A cada novo trabalho, tem se tornado mais sólida minha convicção na importância de não resistir ao método de cada diretor. E não resistir não é não questionar. É depositar confiança. Experimentar, estar aberto, trocar. É estar vivo, presente, com a segurança de que atores e diretor estão reunidos na sala de ensaio por um objetivo comum. De outro modo, ficamos engarrafados, numa guerra infrutífera que não é vantajosa pra ninguém. Esse princípio positivo em direção ao outro é fundamental para que se possa cada vez mais adquirir ferramentas, abrir possibilidades, se perder, se achar, quebrar a cara e construir algo novo, único, que só aquela determinada combinação de pessoas, de desejos, de frustrações e de encontros é capaz de construir.

Lucera a cada dia se mostra um pouco mais pra mim. E Ivan tem me proporcionado isso, me ajudando a perceber nela raciocínios, trejeitos e posicionamentos a que eu jamais teria acesso sozinha. Nisso também tem me ajudado a Paula e todos os colegas de cena. Porque a minha Lucera vai ser a mistura de tudo isso. Um pouco de cada um. E só assim é que é bom.

Elisa Pinheiro