sexta-feira, 11 de novembro de 2011

MULHERES SONHARAM CAVALOS

Porque a violência pode está mais próxima do que se imagina

Peça de discurso sofisticado e brutal, personagens definidos, emoção e um final inesperado

Um jantar para celebrar a reunião de uma família, dentro de um apartamento de um edifício readaptado - um antigo galpão abandonado. O motivo do encontro é a revelação que precisa ser feita: o fim do negócio de família. Mas como reunir uma família alterada, que parece estar à beira da destruição, da violência e da sombra da morte? “Mulheres sonharam cavalos” é uma história com ares misteriosos e que deixa no ar uma pulsação de que algo iminente está por vir, e de que algum fato determinante para a trama já aconteceu antes mesmo dos personagens se mostrarem em cena.

Na história três mulheres são casadas com três irmãos. É possível observar que cada personagem da história (Bettina, Rainer, Ivan, Lucera, Ivan, Roger, Ulrika) tem interesses por trás de suas “máscaras”, que eles despertam sentimentos contraditórios e isso os torna humanos. A peça “Mulheres sonharam cavalos” mostra tipos humanos fortes, realistas, verossímeis, brutais e até animalizados. Com um discurso sofisticado e brutal, há um contraste visível entre todos os personagens, que estão muito bem caracterizados, muito definidos.

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Com uma mistura de linguagens no trabalho de interpretação dos personagens, que ora se utilizam de uma linguagem realista ora não-realista, a peça traça possibilidades, cria jogos cênicos que, embalados por ritmos e sons, faz a montagem abrir espaço para se pensar as diferentes perspectivas para se construir e abordar o tempo teatral. Cabe a personagem Lucera romper o tempo realista dramático, por meio de uma suspensão no tempo. Como se ela estivesse num outro plano na história. Sozinha, ela pensa, reflete, questiona os outros personagens. E tudo fica suspenso, congelado, mas não imóvel, como se os outros personagens cavalgassem numa outra viagem temporal e Lucera pudesse segurar, de alguma forma, as rédeas daquela situação.

O uso dessas duas linguagens paralelas na peça abre espaço para que se descortine mais sobre a vida da personagem Lucera e de toda a trama. Com esse recurso, podemos percebê-la como alguém que é distinta daquele círculo familiar, seja no seu figurino, seja no que Lucera diz sobre a sua realidade interior. E é por meio desses momentos de solidão de Lucera que ela explana e compartilha seus pensamentos, fazendo assim com que o público também possa compartilhar e desvendar mais sobre a trama e sobre os outros cinco personagens que engendram a história.

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Outro aspecto muito interessante a citar é a relação entre o público e os personagens. A platéia joga com os personagens, vibra, torce, sofre com eles. O público está incluído na relação que se desenrola diante de seus olhos. Há uma temperatura emocional ao longo da peça que incita desde o começo o público a questionar e a querer desvendar quem são os personagens: Ivan, Rainer, Roger, Bettina, Ulrika e Lucera. Gradativamente, o público vai desvendando e se identificando com aquelas pessoas, que dão vida e sentido para a trama.

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Mais sobre o autor e a história

Com a direção de Ivan Sugahara e um time de seis atores, o espetáculo é interpretado com emoção, sentimentos, falas cheias de sentidos e excelente interpretação do elenco. O trabalho do atores está impecável: Isaac Bernat (Ivan), Analu Prestes (Bettina), Elisa Pinheiro (Lucera), José Karini (Rainer), Letícia Isnard (Ulrika) e Saulo Rodrigues (Roger).

“Mulheres sonharam cavalos” é uma peça escrita pelo dramaturgo argentino Daniel Veronese. O texto tem como pano de fundo o contexto histórico da ditadura militar da Argentina – na montagem essa questão não é objeto, visto que a peça pretende-se ser menos marcada temporal e geograficamente. “Mulheres sonharam cavalos” traz o universo dos cavalos como gancho para falar do militarismo da ditadura, através de três gerações de personagens. (...)

Essa história de violência ultrapassa territórios e épocas e Veronese soube abordar um momento ímpar da história - não só da Argentina, mas que ocorreu em diferentes partes do mundo - falando de violência, crise, crime, sentimentos e de um tempo que deixou marcas muito além do que os livros podem contar sobre uma geração. Por isso, trazer à tona esse texto com um trabalho tão bem acabado é uma oportunidade imperdível para os bons apreciadores da boa arte teatral.

por Danielle de Mattos

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